Distúrbios Respiratórios do Sono

Durante a apnéia, o fluxo de ar fica bloqueado

Durante a apnéia, o fluxo de ar fica bloqueado

O funcionamento normal das vias aéreas superiores é determinado por condições estruturais e funcionais, sendo influenciado por fatores genéticos, ambientais, comportamentais (uso de bebida alcoólica, por exemplo) e efeitos do próprio ato do sono, como a posição ao dormir. A síndrome de apnéia obstrutiva do sono (SAOS) é caracterizada por episódios repetidos de obstrução das vias aéreas superiores durante o sono, geralmente acompanhados de redução da oxiemoglobina. A obstrução pode ser total (apnéia) ou parcial (hipopnéia). A apnéia é definida como uma parada na ventilação, maior ou igual a 10 segundos, e a hipopnéia, como uma diminuição da ventilação até 50%, com a mesma duração. Ambas geralmente se acompanham de dessaturação e um microdespertar, detectado através do eletroencefalograma. A dessaturação de oxigênio é considerada clinicamente notável quando atinge 4% ou mais, abaixo da saturação basal de cada paciente. Este valor pode representar uma diminuição de 4 a 16mmHg na curva de dissociação de oxigênio.

O quadro clínico geralmente é relacionado à sonolência diurna e aos roncos. Zeitlhofer (1995), em estudos populacionais, observou a prevalência de roncos em 27,2% (sexo masculino – 36,5% e sexo feminino – 18,9%) e apnéia em 8,5% (31% de todos os roncadores). A cefaléia matutina é um sintoma freqüente, referido por 36% dos pacientes com SAOS, estudados por Guilleminault e col. A dor geralmente é moderada e rápida. Parece que a freqüência e a intensidade da dor estão relacionadas à gravidade da apnéia.

A estatística epidemiológica mais aceita vem do estudo denominado Wisconsin Sleep Cohort Study, em que foram avaliados 602 indivíduos, entre 30 e 60 anos, evidenciando acometimento de 2 a 4% dos adultos (2% das mulheres e 4% dos homens). A validade dos estudos é avaliada de acordo com a população estudada e os parâmetros para inclusão no estudo. O estudo epidemiológico mais recente avaliou 76 indivíduos e a prevalência de SAOS foi de 0% das mulheres e 7% dos homens. A raça, a idade e o índice de massa corpórea (IMC) podem ser fatores de risco importantes, devendo ser avaliados criteriosamente em um estudo estatístico. Um outro estudo realizado na Suécia com 583 indivíduos, de 30 a 64 anos, cita uma prevalência de 1,3 a 4% dos homens e 2% das mulheres.

As apnéias podem ser:

a) centrais – ausência total de fluxo aéreo buco-nasal e de esforço ventilatório, por inibição do centro respiratório;

b) obstrutivas – parada do fluxo aéreo buco-nasal com persistência do esforço respiratório;

c) mistas – começam com o componente central e se tornam obstrutivas.

Os critérios propostos para o diagnóstico da SAOS requerem o mínimo de cinco episódios apnêicos por hora de sono e uma queda da saturação de oxiemoglobina que deverá ser superior a 4% da saturação basal. O número de apnéias adicionado às hipopnéias por hora de sono, denominado índice de distúrbio respiratório (IDR) ou índice de apnéia/hipopnéia (IA/H), revela o total de eventos respiratórios, sendo um preditor da severidade do quadro.

Com a parada da entrada do ar, ocorre hipoxemia, hipercapnia e acidose, que provocam por estimulação central, um despertar breve. Conseqüentemente, há abertura das vias aéreas e a volta dos valores basais de saturação de oxigênio. Pode-se observar a curva respiratória variando de um indivíduo normal e um indivíduo apresentando SAOS.

A Oximetria

É o método usado para avaliação da concentração de oxiemoglobina e baseia-se na Lei de Lambert-Beer, que relaciona a concentração de um soluto em suspensão com a intensidade da luz transmitida através da solução. O sangue do adulto geralmente contém quatro tipos de hemoglobina: oxiemoglobina, hemoglobina reduzida, metahemoglobina e carboxiemoglobina. A saturação da hemoglobina é calculada com a oxiemoglobina sobre a soma da hemoglobina reduzida e a oxiemoglobina. Os novos oxímetros fazem uma estimativa da saturação de oxigênio (SatO2) analisando o componente pulsátil da absorbância luminosa, por isso denominados oxímetros de pulso. Utilizam dois comprimentos de onda luminosa, sendo a vermelha e a infravermelha, transmitida através de um leito tecidual, geralmente o dedo ou a orelha. A maior parte do oxigênio arterial está reversivelmente ligada à porção heme da hemoglobina. A quantidade de O2 ligada à hemoglobina é determinada pela pressão parcial de O2 no sangue e é descrita em condições normais pela curva de dissociação de oxiemoglobina. Esta é influenciada pelo pH, temperatura, pressão parcial de dióxido de carbono no sangue arterial (PaCO2) e 2,3-DPG. Por esta curva, em condições normais, a hemoglobina é 90% saturada quando a PaO2 é 60mmHg.

Uma PaO2 menor que 60mmHg associa-se a reduções substanciais na saturação, enquanto que as PaO2 maiores produzem apenas modestos aumentos na porcentagem de hemoglobina saturada com o O2. Um aumento de 40 ou 60mmHg para 100mmHg, associa-se com apenas um aumento de 7 a 8% na saturação, enquanto uma diminuição de 30mmHg, por exemplo, de 60 para 30mmHg resulta em uma diminuição de 30% na saturação. Uma PaO2 normal (100mmHg) representa 97% de saturação.

Curva de Dissociação de Oxigênio

A curva de dissociação da oxiemoglobina define maior ou menor afinidade da hemoglobina pelo oxigênio. É expressa pela P50, definida como a PaO2 na qual a hemoglobina está saturada em 50%. Em indivíduos normais em repouso a P50 normal = 26,6mmHg. Quando a P50 é maior que 26,6mmHg, diz-se que houve um “desvio para a direita”, pois a Hb ficou saturada em 50% com PaO2 mais elevada, indicando liberação mais fácil (menor afinidade); portanto, aumenta a oferta de oxigênio para os tecidos. Desvio para a direita é observado quando há aumento de:
[1] H+ (acidose) [2] CO2 [3] Temperatura [4] 2,3 bifosfo-glicerato
Quando a P50 é menor que 26,6mmHg (desvio para a esquerda), então a Hb continua ligada ao O2 mesmo com baixos níveis de PaO2, o que implica maior afinidade da Hb pelo O2 e, portanto, menor oferta de oxigênio aos tecidos. Sempre que ocorre desvio para a esquerda, o oxigênio tende a ficar ligado à Hb, de modo que menos oxigênio é liberado ao nível dos capilares sistêmicos.

O fenômeno do desvio da curva de dissociação da oxiemoglobina permite uma melhor compreensão da transferência de O2 dos alvéolos para os tecidos. Nos tecidos periféricos, a P50 é igual a 30,6mmHg, o que representa um desvio para a direita; com isso, a quantidade de O2 liberada é maior do que seria possível se a P50 fosse de 26,6mmHg. Sem o desvio para a direita, somente 4,5ml de O2 seriam liberados de cada 100ml de sangue, mas com o desvio fisiológico 6,1ml de O2/100ml de sangue são liberados – isso representa um aumento de 1,6ml de O2/100ml de sangue.
Se houvesse igual desvio para a esquerda (P50 = 22,6mm Hg), a liberação de O2 cairia dos 4,5ml normais para 2,9ml O2/100ml de sangue. Essa quantidade é insuficiente para manter as elevadas taxas metabólicas de órgãos como o cérebro e o coração, sobretudo em pacientes críticos, nos quais se estabelece um estado de hipermetabolismo.

A sintomatologia pode se manifestar durante o sono ou repercutir no comportamento diurno do paciente. As principais queixas são o ronco, sono inquieto, despertares freqüentes, sonolência excessiva diurna, cefaléia matinal, alterações do humor e impotência.

A SAOS

Tem sido associada às cefaléias em salvas (CS) e às cefaléias matutinas. Acredita-se que mecanismos diversos estejam incluídos na fisiopatogenia das cefaléias matutinas, destacando-se como principais a hipoxemia, a hipercapnia, alterações no fluxo sangüíneo cerebral, movimentos cervicais excessivos e a associação com outros distúrbios do sono. A cefaléia matutina é considerada um sintoma não específico da SAOS. Estudos avaliando a melhora do sintoma com pressão positiva contínua de vias aéreas (CPAP) demonstraram que 30% dos pacientes permanecem sem dor após o tratamento. Um estudo avaliando 1504 pacientes notificou relação da apnéia do sono com as cefaléias matutinas e com alterações cognitivas, mas não houve relação significativa com a migrânea. As alterações autonômicas que ocorrem na SAOS parecem estar relacionadas às alterações metabólicas concomitantes, como hipóxia e hipocapnia, não sendo um mecanismo primário neurogênico. Cada episódio apnêico está associado a uma queda transitória da saturação de oxiemoglobina com aumento da tensão de dióxido de carbono, que voltará aos níveis basais ao finalizar a apnéia. O grau de hipoxemia dependerá da pressão de oxigênio basal e da capacidade funcional residual (CFR) de cada indivíduo. Em indivíduos obesos, a CFR diminui no decúbito dorsal, ocorrendo hipoxemia com maior rapidez. As maiores hipoxemias estão associadas ao sono REM, coincidindo com as apnéias mais prolongadas. Em pacientes com CS e apnéia do sono, aproximadamente 60% das crises são precipitadas por uma dessaturação. Pacientes com peso normal raramente apresentam dessaturações abaixo de 85%.

A patogênese da SAOS é multifatorial, sendo a obesidade e as variações anatômicas crânio-faciais os fatores mais determinantes. Outros fatores são citados como potencialmente de risco, como o hipotiroidismo e rinite alérgica crônica. A obesidade deve ser avaliada através do índice de massa corpórea (IMC). Nestes pacientes com SAOS, o IMC está acima do ideal em 75% dos casos. A redução do peso traz grandes mudanças na sintomatologia, principalmente em relação à sonolência diurna. Parece que a circunferência do pescoço é o melhor fator preditivo nestes casos. A avaliação da região oro-naso-maxilo-crânio-facial deve ser realizada em busca de micrognatia ou retrognatia, macroglossia, alterações na úvula, hipertrofia de adenóide ou de tonsila, alterações em palato mole, obstrução da cavidade nasal, acromegalia ou Síndrome de Arnold-Chiari tipo 2. A SAOS aumenta o risco de hipertensão arterial, infarto agudo do miocárdio, hipertensão pulmonar e acidente vascular encefálico. O risco de doenças vasculares parece ser mediado por uma complexa interação dos efeitos químicos e mecânicos, de forma intermitente. Geralmente o paciente procura auxílio médico após dez anos do início da doença, aumentando estes riscos.
A Síndrome de Resistência das Vias Aéreas Superiores (SRVAS) vem sendo estudada como uma entidade isolada, gerando a SAOS. Há um consenso que há um desequilíbrio entre as forças de dilatação e constricção das vias aéreas, porém o diagnóstico deve ser dado através da medida da pressão esofagiana e/ou faríngea, não sendo realizada de rotina na maioria dos centros de estudo de sono. Estes esclarecimentos serão melhor vistos após estudos com este dado aliado à polissonografia.

Nos casos em que não há possibilidade de se realizar o estudo polissonográfico, pode ser aplicado um questionário associado ao uso do oxímetro de pulso por uma noite. Este método tem 95% de sensibilidade e 97% de especificidade e indica principalmente em quais pacientes é prioritária a realização do exame (GURUBHAGAVATULA, MAISLIN e PACK, 2001). Outros métodos são utilizados para uma avaliação indireta da presença de SAOS. Alguns estudos através da Escala de Sonolência de Epworth (ESE) e outros, pela presença de ronco, principalmente relatado pelo cônjuge.

Paciente em tratamento

Paciente em tratamento

A escolha do tratamento mais eficaz depende da severidade de acordo com a polissonografia, das condições anatômicas precipitadoras e da colaboração do paciente. Nos casos leves, as medidas de higiene e hábitos corretos são preconizados como prioridade. São recomendados ao paciente a perda de peso, eliminação de álcool e sedativos, regularidade nos horários de sono e evitar o decúbito dorsal.

O CPAP

Como é conhecido, foi desenvolvido primeiramente em Sidney, Austrália, por Collin Sullivan, e consiste em um aparelho que tem por função a elevação da pressão nas vias aéreas superiores até inverter o gradiente de pressão.

O mecanismo consiste em fazer chegar, por via nasal, o ar com maior pressão que a ambiental, portanto pressão positiva contínua, que mantém livre a passagem do ar. Para tal, se utiliza um pequeno compressor que envia ar através de um tubo finalizado em uma máscara nasal de silicone adaptada de forma personalizada em cada paciente. A pressão necessária é avaliada através da realização de uma nova polissonografia com o CPAP, sendo que as apnéias/hipopnéias deverão desaparecer. A oximetria também deve normalizar-se.

Com o CPAP, uma máscará sobre o nariz gentilmente envia ar par dentro da garganta mantendo as vias aéreas abertas

Com o CPAP, uma máscará sobre o nariz gentilmente
envia ar par dentro da garganta mantendo as vias
aéreas abertas

Até 2003, seis pacientes obtiveram resultado no tratamento com CPAP na melhora das crises de CS ou mesmo no espaçamento das salvas. Buckle e col. foram os primeiros a avaliar a eficácia deste tipo de tratamento e fizeram uso do Bi-PAP, um aparelho de pressão aérea positiva contínua, com pressões de inspiração e expiração diferentes. Permite uma freqüência respiratória mínima, evitando grandes variações no nível de dióxido de carbono. O tratamento suprimiu a dor. Chervin e col. referiram que dois, dos três pacientes com CS e SAOS que fizeram uso de CPAP, tiveram resultados também na dor. Lüdemann menciona um caso de um paciente com CS há mais de 20 anos, com predomínio noturno.Na polissonografia, observou-se I A/H > 40/h, ou seja, grave. Este paciente iniciou imediatamente a terapia com CPAP e o ronco e as apnéias obstrutivas foram eliminados, porém constatou-se a presença de apnéias centrais, com índice > 30/h.
Apesar das apnéias centrais, o paciente apresentou somente uma crise com o tratamento. Foi adicionado oxigênio úmido contínuo na máscara de CPAP e houve remissão da apnéia central e não houve mais nenhum episódio de dor. Após quatro meses, o paciente referia dor somente quando não fazia uso do aparelho. O aparecimento da apnéia central levanta a possibilidade de que haja uma alteração no controle metabólico ligado ao sono. Em nosso estudo anterior, dois pacientes aceitaram o tratamento com CPAP e permanecem sem dor. Deve-se questionar se o tratamento aumenta o período entre as salvas ou realmente abole as crises, entretanto é mais uma opção de tratamento em casos selecionados através da polissonografia.