A cefaleia em salvas (CS) apresenta um quadro clínico bastante definido, com características bem marcantes, que facilitam o diagnóstico clínico.

Devemos ficar atentos à classificação, seguindo sempre os critérios diagnósticos mais atuais (ICHD – 3 beta – 2013) estabelecidos pela International Headache Society (IHS) e captar imediatamente detalhes atípicos que possam nos conduzir ao diagnóstico diferencial correto. Devemos nos ater às cefaleias trigêmino-autonômicas (item 3 da IHS), às cefaleias noturnas e às cefaleias secundárias que podem se manifestar inicialmente com o quadro da CS.

 

Cefaleias primárias:  

As cefaleias trigêmino-autonômicas são unilaterais e apresentam pelo menos um sinal ou sintoma autonômico durante a crise. Estão localizadas no item 3 da ICHD – 3 beta. São elas:

 

Hemicrania Paroxística (HP):

A HP está no item 3.2 da ICHD – 3 beta. Primeiramente descrita por Sjaastad e Dale em 1974, apresenta características similares de dor, sinais e sintomas da CS, mas as crises são mais curtas,mais frequentes e mais comuns em mulheres.

É definida como dor unilateral, geralmente periorbital ou temporal, com duração de dois a 30 minutos, com frequência superior a cinco por dia. A dor é associada a pelo menos um fenômeno autonômico.

A resposta absoluta ao tratamento com a indometacina, a duração curta e a frequência maior de dor a diferem da CS. A HP pode ser crônica, como primeiramente descrita, ou episódica, onde apresenta períodos de remissão de semanas ou meses, semelhante à CS episódica.

 

Short-lasting unilateral neuralgiform headache attacks – SUNCT/SUNA

Ainda não temos uma denominação formal desta cefaleia em português. São um grupo de cefaleias de curta duração, unilaterais e características neuralgiformes e estão no item 3.3da ICHD – 3 beta. São conhecidas pelas iniciais em inglês, que significam:

SUNCT:

Short-lasting – Curta duração

Unilateral – Unilateral

Neuralgiform headache attacks with – Dor neuralgiforme

Conjunctival injection and – Injeção conjuntival

Tearing – Lacrimejamento

e

SUNA:

Short-lasting – Curta duração

Unilateral –Unilateral

Neuralgiform headache attacks with – Dor neuralgiforme

Autonomic symptoms – Sintomas autonômicos

 

A SUNCT é caracterizada por crises de dor unilateral de curta duração, durando de cinco a 240 segundos. Podem ocorrer três a 200 ataques por dia, geralmente em torno de 28. A hiperemia conjuntival, o lacrimejamento e a rinorreia são as alterações autonômicas mais comuns. Para se atribuir o diagnóstico, são necessárias pelo menos 20 crises preenchendo os critérios da classificação atual. Alguns pacientes referem fatores precipitantes, como certos movimentos do pescoço.

É refratária a qualquer tratamento, inclusive à indometacina. Os pacientes podem apresentar apenas um dos sintomas autonômicos (injeção conjuntival, lacrimejamento ou edema palpebral). Nestes casos, a dor será classificada como SUNA.

 

Hemicrania Contínua (HC):

A HC foi descrita oficialmente em 1984 por Sjaastad e Spierings. Está inserida no item 3.4 da ICHD – 3 beta. Apresenta aspectos autonômicos menos pronunciados. A intensidade é geralmente moderada, podendo ser intensa em casos esporádicos. A presença de fenômenos autonômicos está mais associada ao momento de forte intensidade da dor.

Apresenta resposta absoluta à indometacina e casos não responsivos não podem ser diagnosticados de HC, segundo os autores que a descreveram. É mais comum no sexo feminino, na proporção de 2,8:1.

 

Neuralgia do Trigêmeo:

A neuralgia do trigêmeo, colocada na classificação sob o dígito 13.1 da ICHD – 3 beta, frequentemente é confundida com a CS.Caracteriza-se por paroxismos de dor na distribuição de um ou mais ramos do nervo trigêmeo. Um aspecto característico é a zona gatilho, cuja estimulação dispara um paroxismo de dor típico. O primeiro ramo é acometido em menos de 5% dos pacientes.

 

Cefaleia Hípnica:

Descrita inicialmente por Raskin, em 1988, a cefaleia hípnica foi incluída sob o dígito 4.9 da ICHD – 3 beta, e é descrita como um tipo de cefaleia primária rara, ligada ao sono REM. Geralmente acorda o paciente no mesmo horário, muitas vezes durante um sonho, apresentando-se difusa, bilateral, associada a náuseas, sem sinais autonômicos. Inicia-se em idade avançada. É bem diferenciada da CS por sua localização bilateral e pela ausência de sinais autonômicos, porém a periodicidade e a resposta ao lítio sugerem envolvimento do relógio biológico de ambas. Mais de 50 casos já foram descritos na literatura, porém poucos pacientes realizaram polissonografia noturna para avaliação da ligação da dor com os estágios do sono. Em um estudo polissonográfico realizado com três pacientes com cefaleia hípnica, um paciente apresentou dor durante o sono REM. Outro paciente, estudado isoladamente, apresentou dor no estágio 3. Pinessi e col., em 2003, estudaram dois pacientes polissonograficamente e quatro crises foram registradas. Todas ocorreram durante o sono REM, reforçando esta associação. A prevalência de cefaleia hípnica parece ser de 0.07% a 0.1% nos pacientes com cefaleia registrados em centros específicos.

 

Cefaleias secundárias:

São os denominados Cluster-like, isto é, que mimetizam a CS. Pela classificação atual, a cefaleia será codificada de acordo com a moléstia de base.

Kuritzky, em 1984, relatou um caso de meningioma com compressão do tronco cerebral e hipoxemia associada à doença pulmonar crônica, que apresentou remissão do quadro de CS após a retirada do tumor.

A síndrome de Tolosa-Hunt é uma oftalmoplegia dolorosa, com períodos de remissão e recidiva, causada provavelmente por uma inflamação intracavernosa. É bem diferenciada da CS pela paresia de um ou mais nervos oculomotores.

Um outro caso descrito foi o de um paciente que apresentou simultaneamente esclerose múltipla e crises típicas de CS. A neuroimagem evidenciou lesão desmielinizante na ponte, na área da raiz trigeminal, ipsilateral à dor. Seijo-Martinez e col. (2004) relataram um caso de cefaleia em salvas associado à siringomielia cervical e malformação de Arnold-Chiari. Todas as características a incluíam no diagnóstico de cefaleia em salvas, mas a paciente apresentava a capacidade de deflagrar a dor com movimentos específicos da região cervical. A paciente foi operada e foi realizada uma descompressão do forame magno e uma redução da cavidade cervical, com remissão da dor.
Há também casos de pacientes que desenvolveram crises após algum procedimento, dentre eles, seis casos de pacientes do sexo masculino que desenvolveram CS após enucleação do olho, com intervalo de tempo que variou de três semanas até 18 anos.

Há casos também de CS pós-trauma craniano com intervalos de tempo bastante variáveis e a relação destes acontecimentos com o desenvolvimento posterior da dor ainda não está esclarecida.

Portanto, os casos de CS secundária são raros, mas devem sempre ser considerados.