Cefaleia é sinônimo de dor de cabeça. Existem mais de 200 tipos de cefaleias. A cefaleia em salvas, em inglês “cluster headache”, é um tipo de dor. Esse diagnóstico segue critérios da International Headache Society.

A cefaleia em salvas é uma doença pouco conhecida. Trata-se da mais dolorosa de todas as dores de cabeça e muitas pessoas são diagnosticas e tratadas erroneamente.

A dor é extremamente intensa, geralmente ao redor de um dos olhos e pode se manifestar até 8 vezes no mesmo dia. Dura em torno de 30 a 40 minutos e junto com a dor, no mesmo lado, o olho fica vermelho, começa a lacrimejar, o nariz escorre e a pálpebra cai. Tudo isso ao mesmo tempo e somente do lado da dor. Ocorre intensa agitação, que só cessa ao final daquela crise, que pode voltar a qualquer momento.

A cefaleia é um fenômeno conhecido desde os primórdios da história da humanidade. Há descrições e achados arqueológicos que sugerem uma data aproximada de 7.000 anos a.C. Nesta época, o tratamento usado era a trepanação “in vivo”, onde havia a crença de que a dor era causada por maus espíritos e a abertura de orifícios no crânio permitiria a saída destes espíritos. Vários relatos foram feitos ao longo dos séculos.

 

Papiro de Ebers

Papiro de Ebers

À semelhança da mitologia grega, também as divindades egípcias padeceram de cefaleia, como atestam os parágrafos dos papiros de Ebers, Beatty V, relatos mitológicos relacionados à cefaleia. Por volta de 1.500 a.C., como na descrição no papiro de Geoge Ebers, o tratamento da dor era feito com o médico amarrando com puro linho à cabeça do paciente, um crocodilo de argila com trigo na boca, sobre o qual deviam estar escritos nomes de deuses.

Neste mesmo papiro há relatos de remédios para dor de cabeça à base de mel e óleo de rícino. No papiro de Chester Beatty V, datado de 1.300 a.C., há prescrições em forma de magia natural para dor de cabeça, além de fazer relato do termo “ges-tep”, que seria dor em uma metade da cabeça, como sinônimo de hemicrania. Neste, o médico orienta:

[…] repetir sete vezes. Escapate feche a têmpora esquerda. Após, prepararás a oferenda para os deuses e prepararás o remédio para conseguir arrancar a semente dos deuses que se encontra no interior do corpo.

 

Hórus

Hórus

A figura mitológica do deus Hórus aparece frequentemente associada à cefaleia. Conta uma passagem, que ao escalar uma montanha, em pleno verão, Hórus foi surpreendido por uma forte dor de cabeça e ao encontrar deuses que celebravam um banquete, recusou o convite porque a dor o tirava o apetite. As características citadas são sugestivas de enxaqueca, onde é descrita a forte intensidade, os fatores desencadeantes prováveis como sol, calor e esforço físico e a inapetência, podendo também corresponder à náusea.

Outras observações foram feitas ao longo dos séculos e geralmente as atenções eram voltadas para descrições sugestivas de crises de enxaqueca, que já parecia se manifestar mais frequentemente.

As primeiras descrições da cefaleia em salvas (CS) datam do século XVII, sendo a mais antiga de 1641, onde Nicolaas Tulp (1593-1674), um famoso médico clínico e anatomista de Amsterdam, publicou uma série de casos clínicos com o título de “Observationes Medicae”. Neste relato, ele menciona dois diferentes tipos de “cefaleias recorrentes”, baseado nas características clínicas e na resposta ao tratamento. Um provável caso de migrânea e outro de cefaleia em salvas. Este último foi descrito pelo paciente, com suas próprias palavras:

 

Nicolaas Tulp

Nicolaas Tulp

“No início do verão, era acometido de cefaleia intensa, ocorrendo e desaparecendo diariamente em horários fixos, com tal intensidade, que me assegurava que não podia mais suportar a dor ou morreria rapidamente. Raramente durava mais que duas horas. E no restante do dia, não havia febre, indisposição na urina, nenhuma fraqueza no pulso. Mas esta dor recorrente durava até o décimo-quarto dia […]“

Esta descrição não menciona a presença explícita de dor unilateral e fenômenos autonômicos. Talvez o paciente tenha omitido e o médico, não habituado com a síndrome, não o arguiu a respeito.

Por outro lado, uma identificação retrospectiva da cefaleia em salvas poderia particularmente ser baseada no seu caráter cíclico e na intensidade excruciante, para diferenciá-la de outras algias crânio-faciais. Este foi o primeiro provável caso descrito de cefaleia em salvas.

Outro provável caso foi descrito por Thomas Willis (1621-1675), que muito contribuiu para observação dos diversos tipos de cefaleias. Ele distinguiu três tipos: contínuo, intermitente e intermitente com ataques incertos. Na segunda forma, a característica de periodicidade é relatada. Dois outros registros foram feitos por Morgagni (1761) e Whytt (1764), referidos por Eadie, em 1992.

Em 1993, Isler publicou uma descrição feita por Gerard Van Swieten’s em 1745. Somente foi descoberta em 1992, em latim, sob o título de van Switen’s “Commentaria”:

“Um homem de meia idade, saudável, robusto, estava sofrendo de dor que aparece diariamente, no mesmo horário, no mesmo local, em torno da órbita no olho esquerdo, onde o nervo emerge, na abertura do osso frontal; após um período curto, o olho esquerdo se torna vermelho e transborda em lágrimas; depois, ele sente como se seu olho estivesse sendo empurrado para fora da órbita, com tanta dor que parece que vai levá-lo à loucura. Após algumas horas, todos estes eventos cessam, e nada no olho se assemelha com aquela mudança.

Eu ordenei uma sangria, dei purgantes antiinflamatórios, frequentemente aplicava porções no seu pescoço, coloquei-o em isolamento, mas tudo em vão.

Mas na tentativa de entender esta fabulosa doença, eu ia ver o paciente na hora que ele sentia que a dor retornaria, e eu vi todos os sintomas por ele mencionados; porém, no pulso radial, não descobri alteração.

O paciente me lembrou, enquanto eu sentava ao seu lado, que ele sentia uma forte pulsação no ângulo medial do seu olho.

Eu coloquei a ponta do meu dedo menor na artéria que passa no ângulo, suficientemente palpável, enquanto minha outra mão sentia o pulso radial.

E depois, eu objetivamente percebi como esta artéria do ângulo estava pulsando mais rapidamente e fortemente do que normalmente e naturalmente ocorre.

Eu, portanto acreditei que havia febre, mas localizada; e eu dei quinina e curei a dor com sorte: e eu aprendi a partir deste caso, a usar o mesmo remédio posteriormente em casos semelhantes.”

Esta descrição histórica foi a primeira a preencher os critérios da Sociedade Internacional de Cefaleia (SIC) para CS episódica.

Os aspectos clínicos têm sido abordados na literatura desde a metade do século XIX, sob a denominação de vários epônimos. Em 1822, neuralgia espasmódica por Hutchinson. Romberg, em 1840, apresentou um quadro sugestivo, sem denominá-lo.

Em 1867, Mollendorf se refere à CS como enxaqueca vermelha. Eulenburg, em 1878, denominou-a hemicrania angioparalítica. Sluder, em 1910, a descreve como neuralgia esfenopalatina ou síndrome de Sluder, e Bing, em 1913, como eritroprosopalgia ou síndrome de Bing. Vallery-Radot e Blamoutier, em 1925, a descreveram como síndrome de vasodilatação hemicefálica de origem simpática. Harris, em 1926, a denomina neuralgia migranosa periódica e em 1936, neuralgia ciliar. Parece que este neurologista londrino teria sido o primeiro a notar os sinais autonômicos presentes na crise. Em 1930, Charlin a chama de síndrome do nervo nasociliar. Em 1932, Vail a denominou neuralgia vidiana. Em 1935, Brickner e Riley a denominam de faciocefalalgia vegetativa ou autonômica.

O mais completo relato da síndrome foi apresentado em 1939, por Horton, Mclean e Craig, com a denominação de eritromelalgia cefálica e em 1952, pelos mesmos autores, de cefaleia histamínica, cefaleia de Horton ou síndrome de Horton. Em 1947, Gardner, Stowell e Dutllinger a descreveram como neuralgia do grande nervo petroso superficial ou neuralgia petrosa superficial. Embora alguns autores discordem de que Horton tenha sido o primeiro a descrever o quadro mais completo da CS, todos são concordes em que o autor, após seus trabalhos, fez com que o quadro clínico passasse a ser reconhecido e divulgado. Em 1956, Horton já destacava a frequência noturna e o horário que o paciente é acordado pela dor, geralmente uma a duas horas após o início do sono. Menciona o álcool como deflagrador na salva e sugere a diidroergotamina e a inalação de oxigênio para tratamento da crise.

O termo “Cluster Headache” foi primeiramente usado por Kunkle e col., em 1952, para destacar a forma típica de recorrência da dor. Em 1958, Friedman e Mikropoulos ampliaram o quadro clínico e legitimaram o termo “Cluster Headache”. Symonds (1956) contribuiu com uma narrativa mais minuciosa, porém não acrescentou novas informações. Em 1965, Heyck, a caracterizou como síndrome cefalálgica de Bing.

 

Descrições e Nominações da Cefaleia em Salvas ao Longo do Tempo:

 

Em 1969, Graham descreveu, pela primeira vez, as características faciais típicas associadas à CS, mencionando o aspecto “leonino” e a presença de telangectasias, sulcos faciais profundos e pele em “casca de laranja”, assemelhando-se à fácies de um alcoólatra.
Na literatura nacional, por muito tempo, essa forma clínica de dor de cabeça foi conhecida como “cefaleia histamínica” ou “cefaleia de Horton”.

O termo cefaleia “em salvas” se deve a Raffaelli (1979), logo se tornando a designação oficialmente aceita e recomendada pela SBCe.