A cefaleia em salvas (CS) é considerada rara, quando comparada aos outros tipos de dor primária, porém, este conceito tem sido modificado ao longo dos anos. A prevalência varia de estudo para estudo, vinculada principalmente à metodologia utilizada ou à população analisada. Os valores variam entre 0,09 a 0,4%.
Um estudo realizado por Goadsby em 2002 avaliando 230 pacientes com CS, trouxe à reflexão uma série de conceitos epidemiológicos já estabelecidos, sugerindo ser uma dor mais comum do que antes se conhecia, tendo sido pouco diagnosticada pela falta de familiaridade dos neurologistas com os critérios diagnósticos.
Além disso, novas características clínicas têm sido observadas e descritas. Em 2003, Finkel dizia que ela acometia menos que 1% da população, contudo, é opinião da maioria dos autores que a cefaleia em salvas é responsável por 6% do total de casos de dor de cabeça.
Por razões ainda desconhecidas, a CS é mais comum em homens. Esta peculiaridade é indubitável, porém a proporção mais fidedigna da relação homem/mulher ainda é questionável. Em uma avaliação feita em 540 pacientes atendidos entre 1963 e 1997, observou-se claramente uma tendência à diminuição do predomínio masculino em função da idade de início da dor do grupo estudado. Parece que o homem está mais vulnerável antes dos 40 anos. Após, há uma diminuição desta vulnerabilidade, que se iguala após os 50 anos. Há também variações na predominância de sexo ao longo dos anos, com relatos cada vez mais frequentes em mulheres. Alguns autores questionam se houve uma diminuição da incidência nos homens ou um aumento nas mulheres. De qualquer modo, muitas mudanças vêm acontecendo nas últimas décadas e possivelmente mais casos têm sido diagnosticados no sexo feminino. Outras questões que também podem influenciar são referentes às diferenças populacionais dos estudos e às mudanças no estilo de vida da mulher ao longo dos anos. A mulher tem tido cada vez mais participação no mercado de trabalho, com maior independência financeira e um possível aumento da procura médica para tratamento da dor. Além disso, outros fatores como o aumento do hábito de fumar entre as mulheres também pode ter influência. Um estudo realizado com 180 pacientes por Manzoni em 1983 demonstrou relação homem/mulher de 7,2:1 (87,8% homens e 12,2% mulheres). Há estudos referindo 6,5:1, 6,2:1, 3.7:1, 3,5:1 e 2,1:1. O estudo epidemiológico mais completo, avaliando 230 pacientes demonstrou uma relação de 2,5:1. Acredita-se que esta seja a relação mais provável.
Algumas características da CS na mulher têm sido mais bem observadas, pelo maior número de casos diagnosticados nos últimos anos. Ao contrário da migrânea, observou-se que não houve predileção para início das salvas no período menstrual ou pré-menstrual. Também não houve mudança nas características da dor com uso de contraceptivo oral, durante a menopausa ou após reposição hormonal. Estudos posteriores devem ser realizados, porém parece não haver relação com as alterações hormonais descritas. Somente 5% apresentaram dor no período da gravidez, sugerindo algum mecanismo protetor.
A idade de início nas mulheres se assemelha à idade de início nos homens, sem relação com a puberdade, porém alguns estudos sugerem picos de incidência de início na mulher na segunda e quinta décadas, enquanto nos homens, o pico parece ser na terceira década. A média de idade encontrada no estudo de Manzoni (1983) com 180 pacientes foi 38,5, com mínimo de idade de 12 anos e máximo de 71 anos. No estudo mais recente realizado com 230 pacientes, a média de idade foi 28,4, com mínimo de seis anos e máxima de 67 anos. Nos casos crônicos, a idade de início parece ser mais tardia, geralmente acima dos 40 anos, principalmente nas mulheres. Há descrição de casos com início aos três anos, cinco anos, seis anos, sete anos, oito anos e 10 anos. Em 1981, Terzano e colaboradores descreveram um caso de uma criança que apresentou os sinais autonômicos característicos da CS associados a uma crise de choro e agitação, logo após o nascimento. Os sinais autonômicos eram no mesmo local, diários, geralmente nas mesmas horas do dia. Todas as possibilidades de CS secundária foram afastadas. Aos 27 meses, as crises cessaram espontaneamente. Provavelmente trata-se de um caso de CS neonatal, sugerindo alteração bioquímica congênita. Em contrapartida, casos de início tardio também podem ocorrer e há relatos de início aos 72 anos, 73 anos e 74 anos.
Houve também referência a trauma craniano, com desenvolvimento posterior de dor ipsilateral, porém este intervalo entre o trauma e o início do aparecimento da dor parece ser muito longo para se estabelecer uma relação causal.
A herança genética é considerada. Em 180 pacientes, Manzoni e colaboradores (1983) encontraram 12 casos com história familiar (6,7%), todos do sexo masculino. Dois pacientes referiram o pai, nove referiram irmãos e um referiu a irmã. Em 1997, Russell realizou um estudo para avaliação genética, tendo encontrado história positiva para CS em 7% das famílias. Em estudo realizado na França em 2002, El Amrani e colaboradores, analisaram 624 familiares de primeiro grau e 68 familiares de segundo grau em 186 pacientes com CS. Houve 22 (10,75%) casos nos familiares de primeiro grau e seis casos nos de segundo grau. Russell (1997) também analisou cinco casos de gêmeos monozigóticos em que todos apresentavam a doença. Este fato indica a importância do aspecto genético. A análise isolada dos casos sugere uma herança do tipo autossômica dominante, em algumas famílias. D’Amico e col., em 1996, descreveram três famílias com casos em mais de duas gerações. Kudrow e Kudrow, em 1994, publicaram um estudo que propõe ligação genética entre migrânea e CS. Os autores especulam a possibilidade de possuírem a mesma alteração, genotipicamente, com envolvimento mais complexo, sendo determinado por influência ambiental. No estudo de Bahra, May e Goadsby, em 2002, 26% dos pacientes referiram migrânea associada. Houve história familiar de migrânea em 33% dos pacientes. Cinco pacientes apresentavam história familiar de CS, sendo que três destes pacientes apresentavam mais de um membro da família com quadro semelhante. Um estudo com 17 casais de gêmeos, em que havia relato de CS, mostrou 11 deles acometendo os dois, sendo dois homozigóticos, nove heterozigóticos. Com isso, reafirmando a possibilidade de uma herança do tipo autossômica dominante em algumas famílias.
Vários autores observaram a incidência aumentada de algumas doenças em pacientes com CS, como úlcera péptica, coronariopatias, tumores malignos, etc. O número de mortes por câncer supera o de mortes por doença coronariana e por acidente vascular cerebral, combinados. Acredita-se que este fato seja corroborado pelo alto consumo de álcool e tabaco.
A incidência de tabagismo e alcoolismo é alta. Geralmente com alto consumo dos dois, mesmo em avaliações no sexo feminino. Em um estudo com 374 pacientes, 306 com CS episódica e 22 com CS crônica, verificou-se que 78% começaram a fumar cigarros antes do primeiro ataque. O intervalo de tempo médio entre o início do tabagismo e a primeira crise parece ser de 10 anos. No estudo de Bahra, May e Goadsby, em 2002, 84% dos pacientes fumavam ou já tinham fumado. Nenhum dos pacientes que parou de fumar notou diferença nos sintomas da dor. Com isso, alguns autores sugerem que o tabagismo seja mais que um fato associado à doença. O hematócrito elevado foi citado como observação frequente, podendo estar relacionado ao consumo de tabaco. Levi e colaboradores, em 1992, referiram 83% dos pacientes em uso regular de tabaco, mais de um maço ao dia e 67% dos pacientes consumidores de álcool em níveis acima dos considerados “etilistas sociais”. O estudo mostrou que 79% dos pacientes diminuem a ingesta de álcool e não alteram o consumo de tabaco. Este achado corrobora o fato de que o álcool, e não o tabaco, é relatado pela maioria dos pacientes como deflagrador das crises no período da salva.
Em 230 pacientes estudados por Bahra, May e Goadsby, em 2002, 90% referiram dor deflagrada pelo álcool durante a salva. A diminuição da atividade da monoamino oxidase (MAO) nas plaquetas tem sido observada em indivíduos com personalidade impulsiva, onde se detectou uma predominância de tabagistas pesados. A diminuição da MAO também foi detectada entre pacientes com CS, porém não houve características de impulsividade entre estes pacientes. Acredita-se que o uso do tabaco seria o fator determinante para esta diminuição e que seria um marcador para a dependência de nicotina.
Algumas características psicológicas e de personalidade foram avaliadas através de testes específicos (KSP – Karolinska Scales of Personality e HALTAM – Heart and Lifestyle Type A Measure) por Levi e colaboradores, em 1992, demonstrando maior índice de ansiedade e hostilidade entre os pacientes com CS.
A fácies destes pacientes, observada inicialmente por Graham, em 1969, tem sido largamente citada por muitos autores. Observa-se pele espessa, avermelhada, com rugas marcadas, lembrando a fácies leonina. As telangectasias faciais também são encontradas em alguns pacientes. Frequentemente se observa a presença de alta estatura e olhos castanhos.