Hoje sabemos que o hipotálamo é o centro gerador.

Hipóteses têm sido sugeridas por vários autores ao longo dos tempos, principalmente concentrando a gênese da dor em dois mecanismos principais: central e periférico. A dor que, por anos, foi conhecida como uma desordem vascular, a partir de 1999, obteve um progresso considerável no seu entendimento fisiopatológico, apesar de ainda não estar totalmente elucidada.

A teoria vascular tem sido substituída pela teoria neurovascular, com vários componentes interligados.

Apesar de muitos avanços, muitas dúvidas ainda persistem e os estudos ainda não são capazes de explicar completamente o quadro clínico. Uma hipótese completa deveria englobar as três principais características da dor: a distribuição trigeminal, as disfunções autonômicas e a ritmicidade circadiana das crises.

Sobre as características do quadro clínico e os mecanismos propostos, podemos destacar os seguintes tópicos:

A – Distribuição Trigeminal e Fenômenos Autonômicos

B – Sistema Trigêmino-Vascular

C – Participação Hipotalâmica

D – Hipoxemia

E – Relação do Hipotálamo/ Distúrbios Respiratórios do Sono/ Cefaleia em Salvas

F – Hipótese Neurovascular

 

A – Distribuição Trigeminal e Fenômenos Autonômicos

O acometimento da artéria carótida na sua porção cavernosa foi largamente sugerido. Seria a hipótese periférica, principalmente explicando vieses que a hipótese central não justifica. O seio cavernoso é o ponto de interseção da primeira divisão do nervo trigêmeo, de ramos simpáticos e parassimpáticos de nervos cranianos e da artéria carótida. Ekbom e Greitz, em 1970, demonstraram através de angiografia realizada durante a crise, uma dilatação da artéria carótida interna, na sua porção cavernosa, e uma dilatação da artéria oftálmica. Há indicações de que a artéria carótida interna e seus ramos estejam envolvidos nos sintomas autonômicos da crise. Parece haver uma inflamação neurogênica autonômica cíclica. Baseados em resultados de flebografias orbitais e sinais inflamatórios, alguns autores acreditam que haja uma vasculite venosa no seio cavernoso, gerando “simpaticoplegia temporária” nos casos episódicos. Nos crônicos, seria uma “simpaticoplegia permanente”. O padrão de disfunção autonômica da CS pode ser reproduzido através da lesão das fibras simpáticas pós-ganglionares. Moskowitz e Sjaastad, em 1988, primeiramente propuseram o envolvimento do seio cavernoso na origem do quadro doloroso da CS. Hannerz, em 1989, relatou o caso de um paciente com meningioma parasselar que se apresentava como CS e que após a ressecção do tumor, não houve mais sintomas. O autor refere o papel do seio cavernoso no quadro da dor.

A hipótese de vasculite foi sugerida por haver características comuns com a Síndrome de Tolosa-Hunt, além de achados termográficos e flebogramas orbitais patológicos. Sugere-se que a simpatoplegia na CS corresponde à oftalmoplegia da Síndrome de Tolosa-Hunt. Haveria uma inflamação situada no seio cavernoso e veias tributárias, com lesão de fibras simpáticas. Seria uma inflamação recorrente, obedecendo ao ritmo circadiano. A resposta ao corticóide é mais um fator favorável à hipótese. Goadsby, Bahra e May, em 1999, através da tomografia por emissão de pósitrons, demonstraram que após injeção de capsaicina, havia aumento do fluxo carotídeo, compatível com as observações feitas em pacientes com CS. Estes achados evidenciam que a dor extrema mediada pela porção oftálmica do trigêmeo, de qualquer etiologia, pode desencadear aumento do fluxo cavernoso, como parte de um reflexo trigêmino-parassimpático, já bem demonstrado em experimentos com animais.

A teoria vascular foi sustentada por Harold G. Wolff, onde foi proposta uma desordem no controle dos mecanismos vasculares cefálicos. Estudos com antagonistas dos canais de cálcio reforçaram a hipótese. Dahl, em 1990, demonstrou através do doppler transcraniano, uma redução da velocidade no fluxo da artéria cerebral média no lado sintomático, sugerindo que tanto os ataques espontâneos quanto os provocados são acompanhados de vasodilatação da mesma, com maior expressão ipsilateral. Alterações no fluxo da artéria cerebral anterior também foram detectadas, até mesmo fora da salva. Waldenlind e col., em 1993, analisou através da angiografia por ressonância magnética, duas crises em um mesmo paciente e o mesmo fora da crise. Detectou dilatação na artéria oftálmica ipsilateral nas duas crises, sem alteração na artéria carótida interna. Fora da crise, o paciente apresentou exame normal. Somerville, em 1994, verificou em um paciente, dilatação da artéria oftálmica bilateralmente, durante a crise, enquanto não houve qualquer alteração no calibre da artéria cerebral anterior. Shen, em 1993, detectou diminuição do fluxo da artéria cerebral média após 30 minutos do início da crise, no lado sintomático, e 50 minutos após, no outro. O autor acredita que as alterações no fluxo seriam secundárias a um gatilho central. Portanto, um epifenômeno.

Apesar do provável envolvimento do componente periférico, não explicaria as alterações no ritmo cardíaco e a alteração bilateral do reflexo pupilar, evidências de acometimento generalizado, em alguns pacientes. Possivelmente há comprometimento do controle simpático central. A alta frequência de fotofobia, náuseas e vômitos, considerados sintomas autonômicos gerais corroboram a suposição.

 

B – Sistema Trigêmino-Vascular

O sistema trigêmino-vascular consiste em neurônios que inervam vasos cerebrais e a dura-máter e cujos corpos celulares estão localizados no gânglio trigeminal. O gânglio contém células bipolares e as fibras periféricas fazem uma conecção sináptica com vasos e outras estruturas cranianas, principalmente ligadas à dor. Algumas projeções englobam vasos intra e extracranianos. Peptídeos vasodilatadores como peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP), substância P e neuroquinina A foram encontrados nos corpos celulares do gânglio trigeminal. A combinação destas substâncias em cada célula gera uma alteração funcional que ainda não está totalmente elucidada, porém há possibilidade desta inervação neurovascular ser homogênea na ação vasodilatadora. Parece que o CGRP, além da participação na regulação cerebrovascular, também atua na transmissão sensitiva. Está aumentado na circulação craniana durante uma crise de dor. Estudos experimentais com substâncias agonistas seletivas dos receptores adenosina A1 (GR79236 e GR190178) sugerem uma inibição potente e dose-dependente da ativação nociceptiva trigêmino-vascular. Ambas as substâncias reduzem o nível de CGRP na circulação cerebral. O fato é que há uma diminuição da atividade simpática e uma hiperfunção parassimpática. O envolvimento de ambos os sistemas pode ser observado pela presença de CGRP e peptídeo vasoativo intestinal (VIP), respectivamente marcadores do simpático e do parassimpático, detectados no sangue colhido na veia jugular ipsilateral à dor, durante a crise. A ação da sumatriptana e do oxigênio normalizando o CGRP parece ser a explicação para o abortamento da dor.

Sistema Trigêmino-Vascular

Sistema Trigêmino-Vascular

O óxido nítrico possivelmente tem ação nas cefaleias com alterações vasculares, deflagrando a inflamação neurogênica e ativando fibras nociceptivas trigeminais. Na CS, sua participação ainda não foi bem estabelecida. Um estudo avaliando a concentração plasmática dos seus principais metabólitos (nitrito e L-citrulina) em pacientes com CS e grupo-controle não mostrou diferença estatística, porém outros autores reafirmam sua importância pela sua presença tanto nos neurônios, como no endotélio dos vasos. O fato de a dor ser deflagrada pelo gliceril trinitrato, um precursor do óxido nítrico, aumenta a possibilidade da sua participação na patogênese. Ekbom e col., em 2004, analisaram pacientes com CS, fora do período da salva, tratados com um tipo de nitrato orgânico para angina pectoris. Observaram reinício do quadro de dor de forma súbita, mesmo naqueles que há muito não apresentavam quaisquer sintomas.

Embora o envolvimento das estruturas neurovasculares crânio-faciais expliquem em parte o quadro da CS, não seria suficiente para justificar a característica cíclica dos ataques e das salvas. A possibilidade de um mecanismo central na gênese passou a ser sugerida.

 

C – Participação Hipotalâmica

Hipotálamo

Hipotálamo

A ritmicidade levou a vários estudos para comprovar a participação do hipotálamo, principalmente do relógio biológico: o núcleo supraquiasmático constituído de dois pequenos grupos de células localizados no hipotálamo anterior, dorsalmente ao quiasma óptico. Além da ritmicidade, o envolvimento hipotalâmico começou a ser sugerido principalmente pelas várias alterações hormonais detectadas nestes pacientes e pela resposta ao tratamento com lítio.

A ativação hipotalâmica durante os ataques foi comprovada em 1999, através de tomografia por emissão de pósitron (PET) e foi um divisor de águas na abordagem terapêutica. Além dos achados com o PET, estudos utilizando a ressonância magnética por espectroscopia demonstraram a presença de uma assimetria deste local. Parece que o hipotálamo póstero-inferior tem um volume maior nos pacientes com CS, dentro e fora da salva.

Portanto, os estudos atuais demonstram alterações funcionais e anatômicas do hipotálamo.

Essas descobertas em relação à CS impulsionaram novos tratamentos clínicos e cirúrgicos. As cirurgias estereotáxicas, onde um eletrodo neuroestimulador é implantado no hipotálamo póstero-inferior, apresenta sucesso em torno de 60%. Está indicada apenas nos casos crônicos não responsivos ao tratamento clínico.

Os agentes que afetam direta ou indiretamente o hipotálamo têm demonstrado eficácia na prevenção da cefaleia em salvas. Essas medicações ainda estão sendo avaliadas e parecem agir modulando o hipotálamo pela interferência hormonal direta, uma ação similar ao que ocorre na estimulação cirúrgica. Parece ser o caminho mais fisiológico para o tratamento.

 

Núcleo Supra Quiasmótico

Núcleo Supra Quiasmático

Alterações Hormonais:

Testosterona – A significativa queda dos níveis de testosterona plasmáticos nos pacientes com cefaleia em salvas durante a salva foi a primeira evidência do envolvimento hipotalâmico. As alterações endocrinológicas começaram a ser percebidas a partir da década de 60. A participação da testosterona foi sugerida a partir da observação da maior incidência no sexo masculino e pelo fato da doença ser rara antes da adolescência. Além disso, explicaria as alterações vasculares, por agir na contractilidade dos mesmos. Graham, em 1969, observou que as mulheres portadoras de CS apresentavam aparência masculinizada. Com os estudos, detectou-se diminuição nos níveis de testosterona plasmáticos, somente durante a salva, em pacientes com CS episódica. Os maiores níveis plasmáticos da testosterona são encontrados, em condições normais, durante os períodos de sono REM. De acordo com Evans, a queda plasmática da testosterona ocorre quando há um distúrbio do sono REM. Provavelmente esta queda encontrada nos pacientes com CS é consequência da relação com o sono e o hipotálamo.

Tireotropina (TRH) – A resposta reduzida ao teste da tireotropina (TRH) é um suporte adicional na participação hipotalâmica.

Cortisol – O hipotálamo é responsável pela liberação do hormônio liberador da corticotrofina (CRH), que por sua vez, age na hipófise estimulando a liberação do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH). Este age na sua glândula-alvo, a suprarrenal, estimulando a produção de cortisol. O CRH recebe influências de vários neurotransmissores como acetilcolina e serotonina, para liberação e o ácido gama-aminobutírico (GABA) e a norepinefrina, para inibição. Alterações hipotalâmicas podem influenciar diretamente, através de um feedback negativo, o cortisol liberado (PRINGSHEIM, 2002). Os níveis basais do cortisol estão significativamente elevados durante as salvas e nos períodos de remissão. Ekbom, em 1994, verificou alteração no cortisol, em estudo com hormônio corticotrófico ovino estimulando sua liberação. Este fato foi verificado dentro e fora da salva, talvez por alteração no eixo hipotálamo-hipófise-adrenal. Facchinetti e col., em 1986, detectaram aumento do cortisol, com níveis de LH normais e aventaram a possibilidade da alteração ser uma resposta ao estresse.

Melatonina – Apresenta-se diminuída durante a salva, havendo uma redução do seu pico noturno. Produzida pela pineal, é um marcador do sistema circadiano. A pineal recebe inervação simpática do hipotálamo, dos centros autonômicos da medula torácica, do plexo cervical simpático e do plexo carotídeo. O estímulo ambiental para a produção de melatonina é a intensidade da luz. Esta informação vem diretamente da retina para os núcleos supraquiasmático, pelas vias retino-hipotalâmicas. No escuro, há liberação de norepinefrina nas fendas sinápticas da pineal, ativando a N-acetil-transferase, enzima que catalisa e estabelece o ritmo da biossíntese de serotonina e posteriormente melatonina, a partir do triptofano. Portanto, normalmente os níveis estão diminuídos durante o dia e aumentados à noite. Vários estudos detectaram a diminuição da melatonina no período da salva. Chazot, em 1984, realizou um estudo dosando periodicamente os níveis plasmáticos de melatonina, entre outros hormônios, em pacientes com CS episódica e indivíduos saudáveis. Os pacientes apresentaram diminuição na secreção de melatonina. Em 1994, Waldenlind e col. avaliaram a concentração urinária de melatonina em 29 pacientes com CS episódica e 29 controles, mensalmente, por oito a 14 meses. A melatonina se manteve baixa, independente do período. Estes estudos contribuem para a hipótese de repercussão neuroendócrina em consequência da disfunção no relógio biológico.

Hormônio do Crescimento (GH)– Também produzido na adenohipófise, o hormônio do crescimento (GH) sofre influências do núcleo supraquiasmático, determinando sua liberação de forma cíclica. Alterações no sono afetam diretamente este processo, visto que sua produção ocorre principalmente durante o sono delta. Em crianças e adultos com sono delta prolongados, são obtidos episódios secretórios de grande magnitude, enquanto em idosos, que apresentam fisiologicamente diminuição desta fase, o GH não é secretado, ou o é de forma mínima. Kudrow, em 1979, relatou características acromegálicas em seus pacientes do sexo masculino. Outras alterações no GH também têm sido detectadas em pacientes com CS.

Várias alterações hormonais já foram detectadas em pacientes com CS, mas as avaliações da dinâmica neuroendócrina são geralmente difíceis de realizar. Um estudo recente com 20 pacientes avaliou o envolvimento hipotalâmico através do uso da sumatriptana. Sabe-se que a sumatriptana, um agonista seletivo 5HT1B/1D, induz, em indivíduos normais, um significante aumento da concentração plasmática do GH e a redução da prolactina, ACTH e cortisol. Estudos em animais mostraram que estes efeitos se devem à ativação dos receptores hipotalâmicos 5HT1D. Portanto, estes efeitos neuroendócrinos causados pela sumatriptana foram usados como forma de exploração da função serotoninérgica “in vivo”. Os autores concluíram que realmente parece haver uma disfunção neste mecanismo já que os pacientes com CS não apresentaram as respostas acima descritas, após o uso da sumatriptana.

 

D – Hipoxemia

Após a observação da eficiência da inalação de oxigênio no abortamento da crise, houve uma tendência à ligação fisiopatogênica com a hipoxemia. Outros fatores incentivaram a pesquisa no assunto, como o relato comum pelos pacientes de ataques provocados em grandes altitudes e por substâncias como o álcool, histamina e nitroglicerina, que podem afetar o estado hipoxêmico caso o mecanismo regulador esteja alterado.

O corpo carotídeo, estrutura localizada no ângulo de bifurcação da artéria carótida comum, tem sido há muito reconhecido pela importância no arco reflexo respiratório. Quimiorreceptores, situados nesta região, são ativados pela diminuição de oxigênio dissolvido no plasma, correspondendo a 2% de todo o oxigênio que passa dos alvéolos aos capilares sanguíneos. Cerca de 98% se combinam a hemoglobina. A hipercapnia e o aumento da concentração dos íons hidrogênio parecem estimular diretamente o centro respiratório. Nervos aferentes do corpo carotídeo conduzem os impulsos para o nervo glossofaríngeo e vago, via núcleo do tracto solitário, ativando o centro respiratório. Como resultado, observa-se aumento da frequência respiratória, determinado pelo aumento da deflagração de neurônios motores somáticos destinados aos músculos intercostais e diafragma, por fibras reticuloespinhais.

O núcleo solitário tem conexões com os núcleos do facial, vago e células reticulares do centro vasomotor, que através das fibras da via reticuloespinhal, conduz impulsos às células do gânglio cervical superior. Os impulsos eferentes simpáticos do gânglio cervical superior atingem o corpo carotídeo. A estimulação neste trajeto evidencia diminuição do fluxo sanguíneo por vasoconstricção, aumentando a atividade dos quimiorreceptores, possivelmente mediada por alterações no consumo de oxigênio.

A influência do hipotálamo anterior em respostas cardiovasculares foi demonstrada por Hilton e Spyer, em 1971. Estímulos em áreas depressoras do hipotálamo anterior causaram queda da pressão arterial (PA), bradicardia e diminuição na frequência cardíaca. Os autores sugerem inibição simpática e estimulação vagal. Mills e Sampson, em 1969, demonstraram que a secção de fibras pós-gangliônicas simpáticas no corpo carotídeo abolia a resposta respiratória à estimulação simpática. Com isso, acredita-se que a atividade simpática alterada no corpo carotídeo pode reduzir a atividade quimiorreceptora, podendo representar a alteração presente durante a salva.

Portanto, a salva pode ser uma consequência da diminuição da atividade simpática e estimulação da desinibição parassimpática no corpo carotídeo. É improvável que os ataques ocorram como resultado direto destas alterações. Provavelmente, há um envolvimento fisiológico associado a condições facilitadoras, tais como a inibição dos músculos respiratórios na fase REM, bradicardia e hipoventilação na fase NREM, uso de vasodilatadores, hipóxia relacionada à altitude e apneia do sono.

 

E – Relação do Hipotálamo/Distúrbios Respiratórios do Sono/Cefaleia em Salvas

Baseados na hipótese de que os ataques estariam ligados à dessaturação de oxigênio, Kudrow e col., em 1984, realizaram um estudo em 10 pacientes com CS, através de exames polissonográficos noturnos. Observaram que 60% apresentavam apneia do sono. Todos os pacientes com CS episódica e um paciente com CS crônica. Nos apneicos, a dessaturação de oxigênio precedeu a crise em 57%, a maioria durante o sono REM. A eficiência do sono foi diminuída nos pacientes apneicos. Concluíram que a apneia do sono foi encontrada em maior prevalência entre os pacientes com CS – principalmente a episódica – e que os episódios de hipóxia podem ser os grandes deflagradores dos ataques da CS, principalmente durante o sono REM.

Em 1990, os mesmos autores, observaram que em 25 pacientes, todos tinham crises deflagradas por hipoxemia e sugeriram alteração central de autorregulação, compensada pela dessaturação, associada ou não à atividade anormal dos quimiorreceptores periféricos.

Zhao e col., em 1990, compararam 15 controles com 25 pacientes com CS, separados de acordo com a fase de remissão ou não, analisando a relação das crises com a hipóxia. Os pacientes inalaram 12% de oxigênio (88% nitrogênio) por 30 minutos e o decréscimo da saturação de oxigênio foi monitorado. Verificou-se que a saturação basal dos pacientes que estavam na salva tinha uma tendência à redução, porém não houve diferença significativa entre os três grupos. Somente um paciente apresentou crise típica. Portanto, ao contrário de outros estudos, que foram predominantemente noturnos, este não demonstrou papel importante da hipóxia na deflagração das crises. Com isso, acredita-se que entre os pacientes com apneia do sono, este número seja bastante significativo.

A fim de avaliar o real papel do corpo carotídeo na patogênese, Shen e col., em 1993, avaliaram 20 pacientes (11 na salva e nove em remissão) comparando-os com grupo controle correspondente e verificaram a resposta ventilatória à hipóxia transitória induzida por nitrogênio puro (100%). Não houve diferença significativa entre os grupos. Com isso, o autor sugere não haver alteração nos quimiorreceptores, colocando a possibilidade na patogênese como improvável. Kudrow e Kudrow, através de um editorial no mesmo ano, citam o trabalho destes autores e contestam a conclusão, julgando-a precipitada. Afirmam que este estudo não impossibilita o papel dos quimiorreceptores, já que a atividade dos mesmos não foi avaliada durante um evento duradouro de hipoxemia, como grandes altitudes e apneia do sono (condições particularmente relevantes na CS). Em 1994, Shen e Schaanning, observaram as alterações na frequência cardíaca durante as crises induzidas por hipóxia, sem a administração de nitroglicerina, que parecia influenciar no resultado por seu efeito vascular. Concluíram que as mudanças no pulso são provavelmente devidas a alterações primárias autonômicas.

Hinrichsen, Maskrey e Mortola, em 1998, avaliaram a participação do núcleo hipotalâmico da termorregulação na integração das respostas metabólicas e respiratórias, concluindo a importância do hipotálamo anterior e posterior nestas respostas. Em 1995, Ryan e Waldrop, em estudos laboratoriais, sugeriram a participação do hipotálamo caudal e projeções da substância cinzenta periaquedutal na integração da resposta à hipóxia. Através de estudos em ratos e gatos, foi demonstrada a participação do hipotálamo caudal na modulação da resposta cárdio-respiratória à hipóxia, com influência excitatória. Em 1992, Peano e col. verificaram que a inibição GABAérgica dos neurônios do hipotálamo posterior modula a resposta respiratória à hipercapnia. Os estudos sobre os mecanismos respiratórios sugerem um controle multifacetado, que varia de acordo com a necessidade fisiológica e envolve vários centros de comando, incluindo hipotálamo, regiões suprapontinas, pontinas e medulares, além de regiões corticais.

O reflexo trigêmino-pupilar representa um reflexo multi-sináptico, com sua aferência trigeminal e sua eferência simpática e parassimpática. O grande número de conexões pode explicar a bilateralidade da resposta e sua correlação com a intensidade do estímulo. Em pacientes com CS, Micieli e col., em 1993, encontraram resposta pupilar alterada ao estímulo córneo durante a salva. Somente a fase simpática estaria afetada, tendo sido observado em resposta ao estímulo indolor, ipsilateralmente e em resposta à dor, bilateralmente. Os autores propõem disfunção simpática central.

O hipotálamo posterior contém células que regulam funções autonômicas, enquanto o hipotálamo anterior contém células formadoras do relógio biológico (núcleo supraquiasmático). A ativação completa é necessária para explicar o quadro.

A ativação hipotalâmica durante os ataques foi observada, através da tomografia por emissão de pósitron (PET), somente nos pacientes em crise. O exame foi realizado em nove pacientes com CS episódica, fora da salva e oito pacientes com CS crônica, que foram induzidos ao ataque, com nitroglicerina. O mesmo grupo mostrou que estas alterações não poderiam ser replicadas em modelos experimentais de dores estimuladas no primeiro ramo do trigêmeo. Contudo, observou-se ativação no córtex insular bilateral, no tálamo contralateral, no córtex cingular anterior ipsilateral e no cerebelo. Parece que a ativação do córtex cingular está relacionada à resposta emocional da dor, já tendo sido observada em estudos de dor visceral e a ativação do córtex insular parece estar relacionada ao calor. Estes achados também foram encontrados no estudo anterior e em outros estudos com outros tipos de dor, porém a ativação hipotalâmica foi restrita aos pacientes com cefaleia em salvas. Esta especificidade foi constatada em um estudo com um paciente que apresentava migrânea e CS episódica. O exame de PET foi realizado durante a crise de migrânea, revelando ativação rostral do tronco cerebral, reafirmando a ativação do hipotálamo ipsilateral exclusivamente na CS. Silberstein, em 1998, também verificou uma ativação hipotalâmica ipsilateral em nove pacientes em crise, somente no momento da dor. Além dos achados com o PET, estudos utilizando a ressonância magnética por espectroscopia demonstraram a presença de uma assimetria deste local.

Parece que o hipotálamo póstero-inferior tem um volume maior nos pacientes com CS, dentro e fora da salva. As áreas encontradas nos estudos com diferentes exames foram idênticas.

Portanto, as novas descobertas em relação à CS impulsionaram novos tratamentos cirúrgicos com estimulações estereotáxicas no hipotálamo póstero-inferior, principalmente visando os pacientes com CS crônica sem resposta ao tratamento clínico. Neste estudo, dos sete pacientes operados, houve grande melhora em seis. Em conjunto, estes achados acarretam na proposta de que o hipotálamo seria realmente o sítio gerador da dor.

 

F – Hipótese Neurovascular

Uma disfunção hipotalâmica resultaria em alterações do sistema nervoso autônomo. Especificamente, é sugerido que durante a salva, a atividade dos quimiorreceptores estaria alterada por inibição central do tônus vasomotor simpático e estimulação parassimpática. A miose e a ptose seriam causadas pela hipofunção simpática, enquanto o lacrimejamento, a hiperemia conjuntival e a obstrução nasal, causados por uma hiperatividade parassimpática. A liberação de neuropeptídeos produz uma vasodilatação e gera o caráter pulsátil da dor.

Na opinião de Goadsby, estes achados justificariam a classificação da cefaleia em salvas como um distúrbio neurovascular.

Na minha tese de doutorado realizada na Universidade Federal Fluminense, cujo tema foi “Investigação dos Distúrbios do Sono em Pacientes com Cefaleia em Salvas”, concluímos que:

– Em casos de crises noturnas, a maioria é deflagrada durante o sono REM, após um episódio de dessaturação.

– A Escala de Sonolência de Epworth não se mostrou eficaz na avaliação isolada para diagnóstico de síndrome de apneia obstrutiva do sono (SAOS), não sendo sugerida por este estudo, como avaliação indireta em casos em que não há possibilidade de se realizar uma polissonografia noturna. Este exame é indispensável para o diagnóstico.

– Vimos também que houve uma maior percentagem de SAOS nos pacientes com CS.

– Sugerimos realizar nos pacientes com cefaleia em salvas, uma breve história do sono na anamnese e o cálculo do índice de massa corpórea (IMC) rotineiramente.

– A polissonografia noturna deverá ser indicada em pacientes com CS episódica que apresentem IMC acima de 25 ou em pacientes com mais de 40 anos.