A ritmicidade da cefaleia em salvas levou a vários estudos para comprovar a participação do hipotálamo na fisiopatogenia da doença.

Além da ritmicidade, o envolvimento hipotalâmico começou a ser sugerido principalmente pelas várias alterações hormonais detectadas nestes pacientes e pela resposta ao tratamento com lítio. A significativa queda dos níveis de testosterona plasmáticos nos pacientes com cefaleia em salvas durante a salva foi a primeira evidência do envolvimento hipotalâmico. Os estudos demonstraram diminuição nos níveis de testosterona plasmáticos, somente durante a salva, em pacientes com CS episódica.

A ativação hipotalâmica durante os ataques foi comprovada através de tomografia por emissão de pósitron (PET) e foi um divisor de águas na abordagem terapêutica. Além dos achados com o PET, estudos utilizando a ressonância magnética por espectroscopia demonstraram a presença de uma assimetria deste local. Parece que o hipotálamo póstero-inferior tem um volume maior nos pacientes com CS, dentro e fora da salva. As áreas encontradas nos estudos com diferentes exames foram idênticas.

Portanto, as novas descobertas em relação à CS impulsionaram novos tratamentos clínicos, com abordagens hormonais e cirúrgicos, com estimulações estereotáxicas no hipotálamo póstero-inferior, principalmente visando os pacientes sem resposta ao tratamento clínico.

Quanto ao tratamento clínico, o raciocínio é baseado em agentes que afetem direta ou indiretamente o hipotálamo. Este tipo de tratamento tem demonstrado eficácia em casos mais difíceis e não responsivos ao tratamento convencional.

De fato, sofrer de cefaleia em salvas intratável é uma atroz condição que afeta todos os aspectos da vida dos pacientes e pode até levar alguns deles a cometer suicídio como uma solução desesperada final para acabar com a dor. Mesmo os casos episódicos cuja salva está mais duradoura, muitas vezes necessitam de tratamentos mais eficazes para controle das crises. Essa nova abordagem surge como uma esperança para modificar o curso da doença.

Talvez o controle absoluto das crises o mais precoce possível possa encurtar o período das salvas ou aumentar o período de remissão, ou mesmo impedir que a dor episódica se torne crônica. Como esse processo continua desconhecido, visamos diminuir o sofrimento dos pacientes com cefaleia em salvas de difícil controle, diminuir as doses dos medicamentos em uso e até, quem sabe, mudar o padrão das crises.

Fisiologia dos hormônios sexuais, testosterona e o clomifeno

A testosterona se encontra baixa na maioria dos pacientes, tanto do sexo feminino, quanto do sexo masculino, independente da idade. O uso da reposição de testosterona direta não se mostrou eficaz. A partir daí, os pesquisadores observaram que o clomifeno, uma droga não esteroide, com propriedades estrogênicas e antiestrogênicas, apresentava resultados positivos em casos isolados. Devemos entender o mecanismo desta medicação para compreendermos o porque ela aumenta a testosterona de forma fisiológica, mecanismo que possivelmente interfere no hipotálamo diretamente.

O clomifeno é usado primariamente para pode induzir a ovulação em mulheres que não ovulam. Ele compete com o estrogênio endógeno nos receptores estrogênicos hipotalâmicos, impedindo o hipotálamo de reconhecer os níveis suficientes e diminuir a secreção de GnRH (hormônio liberador de gonadotrofina), não ocorrendo portanto, o feedback negativo. Sem ser interrompido, o hipotálamo continua a estimular a hipófise através do aumento da secreção de GnRH. A hipófise aumenta os níveis de FSH e LH e estes agirão nas gônadas estimulando os ovários e os testículos a produzirem estrogênios e androgênios.

No homem, o FSH estimula a espermatogênese pelas células dos túbulos seminíferos através da produção de estrogênios, enquanto o LH estimula a produção de testosterona pelas células intersticiais do testículo.

Na mulher, o FSH e LH estimulam os ovários a produzir progesterona e os estrógenos. Os estrógenos são responsáveis pelo desenvolvimento sexual feminino e também pelas alterações sexuais isocíclicas mensais. Os estrógenos são, na realidade, um conjunto de hormônios, denominados estradiol, estriol e estrona, sendo o mais ativo o estradiol E2. Eles possuem funções quase idênticas. Os estrógenos têm ação ampliada no organismo feminino e são literalmente responsáveis pelo estro (o lado feminino) do universo celular, anatômico e comportamental da mulher, com discreta manifestação no homem. Com atividade maximizada durante a menacma, tem ação no ovário (maturação do folículo e do óvulo), útero, vagina, colo uterino, fertilização e manutenção do feto. A progesterona é um hormônio ligado diretamente à reprodução, sendo liberada na segunda fase do ciclo, na intenção de preparar o corpo da mulher para uma possível gravidez. Estando grávida ou não, o comportamento da mulher muda e difere da fase estrogênica, anterior a esta.

Os principais produtos androgênicos produzidos pelos ovários são a dehidroepiandrosterona (DHEA), a testosterona e a androstenediona. A testosterona é considerada a mais potente dos androgênios.

Os hormônios esteroides produzidos pelas gônadas possuem um papel fundamental no metabolismo de lipídeos e proteínas. Dentre os androgênios, a testosterona exerce ação importante sobre os níveis circulantes de colesterol, elevando as lipoproteínas de alta densidade (HDL) e reduzindo as de baixa densidade (LDL).

Os androgênios também são produzidos nas suprarrenais. São eles a androstenediona, a dehidroepiandrosterona e o sulfato de dehidroepiandrosterona. Apesar de terem fraca atividade, são convertidos em testosterona (mais ativa) nos tecidos periféricos. Na suprarrenal são produzidas quantidades residuais de testosterona. Nas mulheres, a suprarrenal é responsável pelo suprimento de 50 a 60% das necessidades androgénicas mas, no homem, o significado biológico desta secreção é mínimo.

O uso do clomifeno em todas as cefaleias trigêmino-autonômicas tem sido relatado por alguns autores com resultados individuais consistentes, porém com poucos casos acompanhados.

Optar ou não por esse tratamento?

A opção por esse caminho terapêutico deve ser cautelosa e de preferência multiprofissional, em conjunto com o ginecologista, no caso das mulheres e com o urologista no caso dos homens.

Exames bioquímicos prévios devem ser realizados em todos os pacientes, com os seguintes itens avaliados: hemograma, glicose, ureia, creatinina, sódio, potássio, TGO, TGP, GGT, colesterol total e frações, triglicérides, dehidroepiandrosterona, testosterona total, testosterona livre, SHBG, índice de testosterona livre, androstenediona, FSH, LH, progesterona, estradiol E2 e PSA nos indivíduos do sexo masculino.

As pacientes do sexo feminino devem realizar USG transvaginal para avaliar a presença de cistos ovarianos, o que pode contraindicar esse tratamento.

Muito cuidado com gravidez, pois há estimulação ovariana e grande probabilidade de gravidez gemelar indesejada. Estimular o uso de preservativo ou DIU com liberação local de progesterona, pela maior segurança em relação ao DIU de cobre.

Todos esses exames devem ser repetidos mensalmente durante o tratamento.

Após o controle absoluto das crises e a ausência de “sensação” da dor por mais de 15 dias, a medicação deve ser retirada muito gradualmente. O uso não deve ultrapassar 6 meses.

Estudos adicionais estão em andamento e devem reforçar os resultados preliminares em relação à eficácia deste tipo de abordagem.

Outro caminho em relação ao distanciamento das salvas é a manutenção dos níveis de testosterona em valores normais, próximos aos limites superiores. Observa-se que mais de 90% dos pacientes apresentam valores abaixo ou próximos aos limites inferiores, não condizentes com a idade. Nestes casos em que os pacientes já se encontram fora da salva, a reposição deve ser convencional, através da administração da testosterona sob a forma mais adequada à necessidade da reposição e ao sexo. É importante ressaltar que estamos “engatinhando” neste conceito e mais estudos devem ser realizados para que esta seja uma conduta de rotina.

 

Bibliografia

1. Nobre ME, Peres MFP, Moreira Filho PF, Leal AJ. Clomiphene treatment may be effective in refractory episodic and chronic cluster headache. Arq Neuropsiquiatr 2017:1-5.

2. Ambrosini A, Schoenen J. Safety and efficacy of deep brain stimulation in refractory cluster headache: a randomized placebo-controlled double-blind trial followed by a 1-year open extension. J Headache Pain 2010; 11:21–22.

3. Bartsch T, Pinsker MO, Rasche D, Kinfe T, Hertel F, Diener HC, Tronnier V, Mehdorn HM, Volkmann J, Deuschl G & Krauss JK. Hypothalamic deep brain stimulation for cluster headache: experience from a new multicase series. Cephalalgia 2008; 28:285–295.

4. Gebara OCE, Vieira NW, Meyer JW, Calich ALG, Tai, EJ, Pierri, H, Wajngarten M, Aldrighi JM. Efeitos Cardiovasculares da Testosterona. Arq Bras Cardiol 2002; 79(6): 644-649.

5. May A. Hypothalamic deep-brain stimulation: target and potential mechanism for the treatment of cluster headache. Cephalalgia, 2008, 28, 799–803.

6. May A, Leone M. Update on cluster headache. Curr Opin Neurol 2003;16:333–340.
6. Rozen T. Clomiphene Citrate for Treatment Refractory Chronic Cluster Headache. Headache: The Journal of Head and Face Pain 2008; 48(2):286-290.

7. Rozen TD; Saper JR; Sheftell FD; Dodick DW. Clomiphene citrate as a new treatment for SUNCT: hormonal manipulation for hypothalamic-influenced trigeminal autonomic cephalalgias.Headache 2005; 45(6): 754-6.